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sábado, 3 de setembro de 2011

Por um novo conceito de masculinidade


Uma das coisas mais importantes da vida humana é o conceito que cada pessoa tem acerca das realidades que estão em seu redor. Um conceito correto sobre determinada coisa pode definir atitudes e fundamentar boas ou más ações. Do contrário, tudo pode motivar-se a partir de uma noção errada. Não raras vezes, as atitudes das pessoas baseiam-se em pré-conceitos.

No mundo atual, é muito comum presenciar verdadeiras inversões conceituais e de valores. Mas creio que uma das anástrofes mais arraigadas na mentalidade humana é sobre a noção de masculinidade, ou seja, diz respeito ao que é “ser homem”.
O conceito secular envolve, antes de tudo, bom desempenho sexual. Em outras palavras: para que alguém se afirme positivamente como homem, necessita dar constantes provas de virilidade copular, sem jamais permitir que sua imagem seja desvinculada da sua performance. Em segundo lugar, “ser homem” inclui a noção de uma personalidade dominadora, soberana, quase absoluta. Pela apreciação que fazem de si mesmos, os homens recusam-se a demonstrar fraquezas ou medo. Por isso, reprimem expressões de comportamento que denotem sentimentos íntimos ou que exprimam emotividade. Além disso, não raras vezes se consideram superiores às mulheres.
Quando comecei a observar esse conceito secular de masculinidade, perguntei-me se ele estava de acordo com o Evangelho e com a própria virilidade de Cristo. Foi quando li e meditei o capítulo 19 do evangelho de São João. Os primeiros versículos dizem:
“Então, Pilatos levou Jesus e mandou açoitá-lo. Os soldados, que haviam traçado uma coroa de espinhos, puseram-na sobre a sua cabeça e lançaram sobre ele um manto de púrpura. Eles se aproximavam dele e diziam: ‘Salve, ó rei dos judeus!’, e se puseram a dar-lhe pancadas. Pilatos, saindo de novo, disse aos judeus: ‘Vede, eu vo-lo trarei para fora: deveis saber que eu não acho nenhum motivo de acusação contra ele’. Jesus veio então para fora: trazia a coroa de espinhos e o manto de púrpura. Pilatos lhes disse: ‘Eis o homem!’” (Jo 19, 1-5 – grifo meu).
A última expressão de Pilatos saltou-me ao coração. “Eis o homem” tomou uma conotação de quem indicava um modelo de masculinidade. Pilatos apresentou Jesus e, sem querer, proclamou na sua pessoa o significado essencial de masculinidade, ou seja, o seu verdadeiro conceito.
Na cena, Jesus aparece açoitado (cf. Jo 19, 1), marcado pelo sofrimento dos espinhos (cf. Jo 19, 2) e da humilhação (cf. Jo 19, 3). Essa imagem apresenta-se exatamente contrária àquela propugnada pela cultura deste mundo como sendo o modelo de masculinidade: a imagem de fortaleza, poder e domínio atribuída aos homens. A figura de Jesus descrita por São João é de fraqueza, que contrasta com o poder dos homens que o acusam.
Portanto, ser homem não significa apresentar-se ao mundo em situação de domínio e poder, mas acomodar-se ao modelo do Crucificado, que concentra sua força na experiência da fraqueza humana. O verdadeiro homem não tem vergonha de demonstrar fraquezas e nem mesmo de ser fraco, pois sabe que é delas que retira toda a sua potência como pessoa (cf. 2 Cor 12, 10). A fraqueza é o aspirantado da força. O homem evangélico amolda-se à imagem de Cristo e é desse modo que se expõe ao mundo. Como crucificado, adquire para si o poder da ressurreição de Cristo e revela esse mistério na própria carne.
De homem para homem: é preciso ter coragem para assumir esse novo conceito de masculinidade. O modelo aduzido por Jesus era tão abjeto à mentalidade dos homens do seu tempo que, ao ser apresentado por Pilatos, a conseqüência foi imediata: “Logo que os sumos sacerdotes e seus guardas o viram, puseram-se a gritar: ‘Crucifica-o! Crucifica-o!’” (Jo 19, 6). Pediram a morte daquele modelo de homem. Recusaram-no, desprezaram-no! Definitivamente, não o quiseram. Preferiram Barrabás, a quem reconheceram (cf. Jo 18, 40), pois o mundo ama o que lhe pertence (cf. Jo 15, 19).
A pergunta que Pilatos fez a Jesus é tipicamente do homem velho: “Não sabes que eu tenho o poder de te soltar como tenho o poder de te crucificar?” (Jo 19, 10b). Ele se iludia quanto ao poder que tinha, pensando que era absoluto. Jesus relativizou o poder dos homens, afirmando a força do alto (cf. Jo 19, 11). Na ação seguinte de Pilatos, Jesus foi colocado sobre um assento, num lugar chamado “gábata” (cf. Jo 19, 13). Gábata quer dizer “pavimento de pedra” e sugere um espaço elevado. Agora, Jesus estava sobre a rocha, como que entronizado. O homem aparentemente fraco era o verdadeiro juiz e detinha o poder absoluto. Mas isso não estava em evidência, a não ser para quem observava pela fé: “Aos olhos do mundo, quem julga é Pilatos; mas a fé capta um sentido mais profundo: sem o saber, Pilatos entroniza Jesus, que é o juiz de verdade: o mundo é confundido e agora é o julgamento do mundo”. Aos olhos de todos, Jesus era réu, quando, na verdade, era o julgador. Pilatos apresenta-se com força e poder, mas é Jesus que traduz a verdadeira masculinidade.
A fraqueza de Jesus é sinal de contradição, justamente porque é nela que reside sua força. Para acomodar-se ao conceito evangélico de masculinidade, o homem deve redescobrir sua fonte de potencialidade, procurando identificar-se com Jesus.
“Ser homem”, portanto, não significa ter poder ou bom desempenho sexual, mas admitir a própria fraqueza e dela retirar sua força. O testemunho de Cristo é perfeito, demonstrativo das nascentes da virilidade, cujo conteúdo verdadeiro é doação e obediência a Deus.
Ronaldo José de Sousa
Formador Geral da Comunidade Remidos no Senhor
Leia também:
Eis o homem: Sobre um Conceito de Masculinidade no Evangelho, de Ronaldo José de Sousa.

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